O dia que a pérola previu com precisão onde foi morta e enterrada uma rosa

Depois de quase um mês de buscas, a menina desaparecida após sair para um mercado, foi encontrada enterrada no terreno de uma casa em construção, na zona norte de Natal. No dia anterior, durante uma entrevista a um canal de TV, a delegada aposentada Margareth Godim, impressionantemente, disse exatamente o que de fato tinha acontecido com a estudante.

A distância da casa onde ela morava até o endereço da morte foi medida com exatos 62 passos. Eu mesmo o fiz. Naquele início de tarde do dia 28 de março, Iasmim Lorena Pereira de Melo saiu de casa, na comunidade da África, zona Norte de Natal, para fazer uma pequena compra em um mercado ali perto a pedido da mãe. O tempo estimado para ir e voltar era de pouco mais de cinco minutos, mas, de maneira bárbara e covarde, a pequena Iasmim foi atraída para um fim que causa comoção e dor até hoje. A demora para voltar despertou na mãe, a dona de casa Ingrid Araújo, uma preocupação legítima que duraria 24 dias. Aquele estimado tempo passou demoradamente em um clima de angústia, desespero e uma esperança que se fragmentava com o passar das horas e dos dias.

Os apelos para localizar Iasmim mobilizaram toda a imprensa potiguar. Protestos foram realizados com a finalidade de chamar a atenção das autoridades da Segurança Pública, mas nenhuma resposta, pista ou coisa assim. Especulações surgiam a cada momento, porém eram derrubadas diante de evidências que começaram, aos poucos, a surgir. Depois de 20 dias de investigação, a polícia ainda tinha pouco de linha concreta, e as chances de encontrar a pequena estudante de 12 anos ficavam cada vez mais escassas. A comoção tomava conta não apenas daquela comunidade do bairro da Redinha, mas de todos que queriam saber onde estava e o que acontecera com Iasmim. Tudo era importante naquele momento para enriquecer as possibilidades; toda opinião, principalmente as de pessoas que já tinham tratado de assuntos semelhantes, era bem-vinda.

Foi dentro desta perspectiva que procurei uma delegada experiente, uma policial que já tinha solucionado centenas de crimes ao longo de anos de profissão. A Dra. Margareth Gondim vinha acompanhando o caso pelos programas de rádio e TV e, como mãe, também dividia com dona Ingrid aquele sofrimento. Dra. Margareth me recebeu em seu apartamento sempre com seu jeito carinhoso e acolhedor, da mesma forma que recebia a imprensa nos gabinetes que assumiu ao longo da profissão. De pronto, aquele livro vivo de histórias policiais marcantes já me pediu para sentar na cadeira aconchegante da sala de frente à janela do prédio, onde, de lá, dava para ver de longe o cenário do misterioso sumiço da garota com nome de uma rosa.

A conversa com Margareth começou com lembranças de casos parecidos ocorridos no passado e outros nem tão antigos assim. Falamos de criminosos pedófilos e dos perigos que estão bem mais próximos do que podemos imaginar, e aos poucos fomos entrando no assunto Iasmim. A mulher de cabelos claros e de um olhar penetrante, ao falar com propriedade de desaparecimentos, principalmente de mulheres, pediu que eu complementasse alguns detalhes sobre o roteiro e a dinâmica do fato que já esmiuçávamos desde o sumiço. A delegada somava naquele papo, ao sabor de um bom café, bebida que não tomo, mas tomei a xícara inteira porque não queria que nada interferisse naquele momento de reflexão e estudo.

Aos poucos, Margareth foi direcionando o olhar para uma peça na estante do apartamento e, de forma intrigante, quase que surreal, ela começou a seguir os passos de Iasmim, falando com detalhes como se lá estivera ao lado dela naquela fatídica tarde de março. Abismado com a cena, nada mais perguntei, mas só ouvi. “A menina Iasmim está morta. As buscas em endereços distantes são uma perda de tempo, ela não está longe da casa onde morava. Iasmim foi atraída por alguém que ela conhecia, levada para um terreno, talvez uma casa em construção, violentada sexualmente, morta e enterrada ali mesmo”, relatou.

A afirmação, mesmo sem provas em mãos, me deixou sem mais perguntas para aquela mulher. Novamente recordamos outros casos, nos falamos ainda por alguns minutos, e me despedi, recebendo dela o convite para ir ao seu encontro quando pudesse, para tratarmos desses assuntos que alicerçam nossa opção profissional, claro, com algumas diferenças de ações: ela como delegada e eu como jornalista da editoria policial. Cheguei em casa já à noite, e da mente não me saía aquele combo de informações, quase que uma trajetória por uma testemunha ocular de um acontecimento que, em poucas horas, seria revelado.

No dia seguinte, 28 de abril, um policial civil, que também estava no caso, me ligou dizendo que o corpo da menina Iasmim tinha sido encontrado por cães farejadores, em uma casa próxima da residência da garota. O corpo estava em uma cova rasa, em meio a destroços e pedaços de madeira usados na obra. O autor do crime chocante logo foi identificado: era o vizinho de Iasmim, o pedreiro Marcondes Gomes da Silva, de 45 anos. Ele foi preso em uma praia do litoral Norte tentando fugir. O que me deixou impressionado foi a frieza do indivíduo, que chegou a participar das campanhas em busca da adolescente e, em entrevista, disse para este repórter que agora escreve a seguinte frase: “Eu fui o último a ver a Iasmim”. Mesmo com uma declaração nitidamente de objetiva confissão, não se passou pela cabeça de ninguém que era ele o homem autor de uma história narrada de forma antecipada e sem explicação pela Dra. Margareth Gondim.

Marcondes Gomes foi condenado meses depois a 31 anos de prisão pelo estupro, assassinato e ocultação de cadáver. Nos meus 24 anos de jornalismo policial, posso dizer que essa história foi uma das pérolas, no sentido da importância que o caso tomou, mudando inclusive métodos investigativos em casos de desaparecimentos. Ainda hoje, quando tenho o prazer de encontrar Dra. Margareth, cujo nome em grego significa “pérola”, relembramos o caso, mas nunca perguntei como ela acertou em detalhes o que de fato ocorreu naquele dia com Iasmim.

Por: O Equilibrista

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