A noite tinha acabado de anunciar sua chegada, mas já era possível ouvir o barulho gritante e ensurdecedor de escapes modificados para um propósito egoisticamente desrespeitoso e invasivo. Aquele menino de apenas dois anos de idade brincava com os pais em uma travessa da rua dos Caicós, na zona Oeste de Natal, quando foi engolido pela morte abruptamente.
Naquele momento, tudo parecia um pesadelo. Por um instante, quem testemunhou a motocicleta desenfreada atingir o garoto não acreditou que era uma cena real, trágica e mortal. Aquela criança teve poucos minutos de vida e quem pilotava a moto, não contou com muito tempo também. A morte chegou com o propósito de envelopar duas almas em um só cenário.
Pela força da violência, o alvoroço tomou conta do antigo “Beco da Vaca”, os moradores não acreditavam naquela imagem sangrenta de um inocente caído já sem vida, quase que imediatamente, um outro sentimento se erguel em meio ao caos de uma morte inesperada, porém provocada. Também acometido pelas circunstâncias da ocasião, o homem que pilotava o veículo de duas rodas foi submetido a um julgamento rápido e tão antigo quanto a intolerância.
Não havia o que fazer com aquela bolha de emoções, a morte, a revolta, o choro de uma mãe, o grito de um pai sentado ao lado do corpo do filho e a fúria incontrolável de uma multidão possuída por um compreensível e ou não ódio nascido da irresponsabilidade daquele motoqueiro que desconhecia o destino, tão rápido e violento quanto o do garoto que atropelou. Aquele rapaz foi linchado em via pública naquela sexta-feira (13) de outubro de 2018, uma noite que marcou vidas.
Dias após a fatídica data, algo inesperado foi testemunhado por milhares de pessoas que acompanhavam ao vivo uma entrevista simultânea de um canal de TV local, onde a mãe da criança morta e do rapaz que empinava a moto no conhecido grau, também sepultado pela ação impensável, ficaram frente a frente e arriscaram com sucesso a quase ignorada opção do perdão. Naqueles corações, nenhuma lógica determinante é plausível e explicável aos mortais se manifestou, visto que mães, como disse o escritor francês Jeany Bernant, são seres divinos capazes se irem além de tudo que se pensa do sofrimento.
Após oito anos, aquele endereço ainda me remete a noite de terror, mas ao mesmo tempo ao desfecho quase que inesperado, no entanto cabível na esfera reflexiva, onde a dor não se camufla, mas é substituído pela muralha inabalável do amor.
Por: O equilibrista