A culpa, cascavilhada como diamante azul, de um crime que a Pátria está cansada de saber ser dela.
A revolta de pessoas que rogam por respostas, após uma incursão policial contra o crime que resultou na morte da administradora Bárbara Kelly, de 34 anos, é legítima. O homicídio ocorreu na tarde deste domingo (13), na comunidade Passo da Pátria, zona Leste de Natal. Ela voltava do trabalho quando uma bala chegou fulminante no coração.
Posso e devo começar essa declaração como um equilibrista. Não pela conduta dos envolvidos em uma situação já tão clichê naquele conjunto encarnado pelo sangue, mas pelas incompetentes atitudes de quem deveria ter coragem de impor definitivamente a paz implorada por todos. A comunidade Passo da Pátria, assim como Mãe Luíza, Japão, Guarita e tantas outras, já estão fadadas, cansadas e “malhadas antes de eu nascer” com a presença de pessoas que encararam o crime como opção, quando as escolhas eram oportunidades eram poucas — e ainda são.

A jovem mãe de 34 anos, Bárbara Kelly Araújo do Nascimento, ouviu tiros próximos à casa onde morava com a filha e o marido. O medo, sempre iminente naquele território indiscutivelmente minado pelo tráfico de drogas, exigiu dela um esforço tão imitado por quem ali vive: o sem graça “esconde-esconde” da morte. Naquela tarde, a jovem mãe foi vencida e atingida por uma bala perdida — ainda de origem desconhecida. Kelly morreu.
Aquele porto seguro de embarque e desembarque, da primeira feira livre da cidade no início do século XVIII, citado pela escritora Jeanne Nesi, que relata em seus ensaios tão criteriosos, se transformou nessa margem do Potengi de águas tão encarnadas nesses nossos, tempos de Kelly.
Os registros oficiais da Secretaria de Segurança Pública tornam hoje o Passo da Pátria um paradoxo: a comunidade onde corajosos e vencedores cidadãos, como ela, se confundem com a criminalidade intensa, financiada pelo tráfico de drogas, armas e pessoas. Uma realidade combatida frágil e perigosamente por quem tenta, sob ordens, ou vocação calar o crime.
Muito ainda se roga por justiça diante da morte precoce de Kelly. Ainda em tempo, outras almas rondam pelos becos e ruelas do velho porto querendo, implorando por um motivo, um culpado. Com essa responsabilidade e obrigação — da parte de quem nunca esteve de posse da chancela “Harvardiana” — me permito dizer que Kelly, assim como tantas outras e outros que vivem no Passo, querem proteção do Estado dos dois lados da moeda: uma polícia preparada, sim, mas também protegida, valorizada e respeitada em todos os conceitos de valores.
Porém e ainda mais urgente, o fim da presença vergonhosa e definitiva de criminosos que estabelecem normas, leis, enfraquecem a liberdade de quem quer apenas ir e vir quando no final das contas, ainda promovem o caos. Nos tempos do velho Maurílio bandido ainda respeitava polícia, mas os tempos mudaram, entregaram nas mãos de facções o futuro de meninos e meninas que combatem destemidamente um exército inteiro em nome do crime, em nome uma posição efêmera.
Quando a maré baixar, nas margens do velho Potengi, alguém vai responder pela morte da administradora de 34 anos. Aquele que deu o primeiro “passo” para o tiro fatal, certamente e lamentavelmente jamais. Mas quem atirou, sim.
Porém, é importante lembrarmos que quem deveria pagar de fato a conta dessa feira, nunca paga, impõe a responsabilidade nos seus comandados. Sempre foi assim e creio que muitas marés irão subir e descer até que nesse passo, a Pátria venha a conhecer verdades ocultas pela lei do silêncio, a “mordaça do medo” engolidas sem água, mas com sangue inocente.
Por: O Equilibrista