Publicada: 04/12/2022 às 07h27

O passo e uma mãe coagida chamada Luiza

Como as facções criminosas criaram a mordaça do medo nas comunidades de Natal

Por Sérgio Costa

Quando dona Luiza subia e descia as ladeiras do morro, entrando naquelas casas frágeis feitas de madeira e palhas com a finalidade de trazer ao mundo novas vidas, visto que era parteira, não precisava pedir permissão para tal ofício. Aquela mulher amada por todo o povo desfrutava de uma liberdade que hoje se esvaiu. O bairro que orienta os navegantes com o brilho do farol não consegue sair da escuridão e se ver mergulhado nas águas turvas de uma facção criminosa que impõe normas e pune severamente quem desobedecê-las.

Com o surgimento do crime organizado no Estado, realidade que até bem pouco tempo era negada pela cúpula da segurança pública, muitos indivíduos se instalaram em comunidades e estabeleceram códigos de conduta exigindo que os que ali vivem obedeçam sem reclamar. situações como toque de recolher quando for determinado, “Bico calado”, caso algum morador flagre a movimentação do tráfico de drogas e armas e até de cunho familiar, brigas de casais também passam pelo julgamento do linha de frente. Em casos mais graves o tribunal do crime sentencia pela morte na mata que um dia reinou “Rivotril”.

A atuação desse grupo é hoje de uma força muito latente em Mãe Luiza, nos finais de semana, geralmente nos domingos, festas são promovidas ao som de paredões, há denúncias protocoladas na Polícia Civil que apontam a presença de pessoas armadas, usando entorpecentes e menores consumindo bebidas alcoólicas, tudo sob a proteção ameaçadora da mordaça do medo. Ninguém fala, ninguém vê, ninguém ouve.

Não tão distante de lá, outro endereço parece seguir as mesmas regras do crime, o Passo da Pátria que é banhado pelas águas do Potengi e se mistura com sangue dos diversos confrontos entre pessoas envolvidas com crimes e a polícia. A comunidade que tem esse nome, devido a uma homenagem do presidente da província José Olinto Meira aos natalenses voluntários na guerra do Paraguai, tem também a marca intolerante, violenta e cruel da facção. O local que nos anos 30 era a mais importante entrada da cidade agora é motivo de êxodo, ou seja, saída de quem já não aceita a mordaça.

As polícias tentam reparar os danos provocados por anos de negligência, quando muitos diziam que a presença de facções criminosas no Rio Grande do Norte era conversa para boi dormir. Operações são desencadeadas, indivíduos são presos, drogas e armas apreendidas, atividades que de alguma maneira sufocam essas organizações, timidamente, mas sufocam. No entanto o que eu vejo, mesmo com o farol ofuscando, mesmo com o passo largo da história, ainda estamos longe de caminharmos de mãos dadas com Mãe Luiza para trazer sorriso ao invés de pranto, trazer vida ao invés de morte.