Publicada: 23/03/2013 às 20h20

Crimes no trânsito permitem liberdade aos acusados e condenados

Legislação branda gera sentimento de impunidade na sociedade e parente das vítimas.

Por Thyago Macedo

Nos últimos tempos, a legislação brasileira, principalmente no que diz respeito às ocorrências de trânsito, tem sido colocada em cheque e questionada pela população. Os casos de impunidade, mesmo diante de graves registros, chamam atenção e despertam revolta dos cidadãos de bem que se preocupam com o bom convívio social. Crimes de trânsito, inclusive homicídio, permitem a liberdade de acusados e condenados.

No Rio Grande do Norte, são vários exemplos. Nesta semana, um dos casos de maior repercussão nos últimos anos, um acidente envolvendo adolescentes na avenida Hermes da Fonseca, teve um desfecho judicial. A morte do adolescente Alan Almoedo Moura, que tinha 17 anos, resultou em uma punição de apenas R$ 3.385,00 para outro jovem que dirigia o carro em alta velocidade e provocou o acidente.

 
Alan Almoedo, de 17 anos, uma das vítimas da imprudência no trânsito
 

Danilo Gomes de Farias Alves Bila, que na época do acidente, em fevereiro de 2011, estava com carteira de habilitação provisória, também teve suspenso o direito de dirigir, no entanto, essa punição tem validade de apenas dois meses. Depois desse período, ele poderá continuar dirigindo normalmente. A condenação gerou revolta nos familiares de Alan Almoedo.

A mãe dele, Andreia Almoedo, publicou: "Morri como mãe, cidadã que acredita em uma justiça efetiva, concreta. Me vi diante, não de uma punição ou uma forma de coibir novas praticas delitivas. O conteúdo do referido decisum, não chega nem a uma ‘bronca’ materna, de tão insignificante, de tão dissonante com a conduta atual dos magistrados que buscam de forma árdua em atender os anseios da população e adequar a legislação a realidade de nossos dias, em que procuram fazer a lei ser cumprida de modo justo e eficaz”.

O sentimento de impunidade, aliás, não é apenas de uma mãe que perdeu o filho adolescente. Em entrevista ao Portal BO, o experiente escrivão da Polícia Civil, Márcio Azevedo, que há vários anos trabalha na Delegacia Especializada em Acidentes Veiculares, criticou as leis brasileiras. “O Código de Trânsito é muito fraco. Mesmo que um juiz quisesse deixar presa alguém que matou outra pessoa no trânsito, o tempo máximo da prisão seria de quatro anos”, revela.

De acordo com o escrivão, por mês, oito casos de homicídios no trânsito são remetidos à Justiça pela DEAV, no entanto, todos com os acusados em liberdade. Além disso, outras 300 pessoas com lesões corporais no trânsito, entre grave e leve, registram ocorrência na Delegacia Especializada.

Além do caso de Alan Almoedo, outras famílias que perderam seus entes em acidentes provocados pela imprudência continuam tento que conviver com o fato de os responsáveis estarem soltos. Um caso recente foi registrado na BR 101, em Parnamirim, onde um veículo teria ultrapassado a rodovia, batido em outros dois carros e matado três pessoas.

Na ocasião, um homem identificado como Wellington Operiano Gonçalves, que estaria sob efeito de álcool, assumiu a responsabilidade do volante do carro e chegou a ser preso. Dias depois, a companheira dele, Francisca Adenadia Viana da Silva, mudou o depoimento e disse que ela estava na direção. Wellington foi solto, mas Francisca nunca foi detida. O processo está tramitando na 3º Vara Criminal de Natal e consta na acusação crime de trânsito e não homicídio.

Em junho de 2010, Marcos Damásio e Vinícius de Araújo Costa, respectivamente pai e filho, estavam parado em um semáforo, em Emaús, quando o carro deles foi atingido em cheio por uma caminhonete descontrolada. Vinícius de Araújo, que era motorista do jornal Tribuna do Norte, morreu na hora e o pai dele foi socorrido.

O motorista responsável pelo acidente, o empresário Daniel Kiyoshi Mori Macedo, estava em uma caminhonete Pajero e, de acordo com teste feito pela Polícia Rodoviária Federal no dia do acidente, estava sob efeito de bebida alcoólica. Passados quase três anos, Daniel responde na 1ª Vara Criminal de Parnamirim pelo crime de homicídio simples, porém, também nunca foi preso. De acordo com o site do TJRN, o processo, de número 0005055-67.2010.8.20.0124, está sem movimentação desde o dia 5 de junho de 2012.

 
Caminhonte do médico Sady e o Corsa destruído pelo impacto da batida
 

Outro caso de grande repercussão no Estado foi registrado em 2008, na Reta Tabajara, em Macaíba. No dia 20 de abril daquele ano, o médico Sady Fonseca Armstrong conduzia uma caminhonete Ranger e bateu de frente com um veículo Corsa, matando quatro pessoas, inclusive, uma criança de sete anos.

“Na ocasião, nós solicitamos exames e ficou comprovado que ele estava sob efeito de álcool e que teria sido o responsável pelo acidente, porém, o médico nunca chegou a ser preso”, conta o delegado Frank Albuquerque, que era titular da DP de Macaíba e investigou o caso. Em janeiro deste ano, o médico Sady Fonseca Armstrong foi julgado pelo crime de homicídio simples. Ele teve condenação de 6 anos de detenção pelas quatro mortes e perdeu direito de dirigir por quatro anos. Apesar disso, a justiça estabeleceu na condenação que ele deveria cumprir a pena já em regime semiaberto.

O escrivão da Delegacia de Acidentes, Márcio Azevedo, explica que as condenações brandas para autores de homicídios no trânsito não é por falta de investigação. “Apesar das dificuldades da Polícia Civil, nossa delegacia consegue investigar, identificar os autores dos crimes, reunir provas concretas, inclusive imagens de câmeras de vigilância e bafômetro, mas, como disse antes, a lei é muito branda. Praticamente todo dia temos uma pessoa chorando a dor da perda de um parente aqui na delegacia e eu digo logo que não espere pela prisão do acusado”, completa.