Natal, Rio Grande do Norte, 23 de Abril de 2024

Polícia de Ciclo Completo: uma visão geral e algumas considerações

   18/09/2015 às 09h47   -  Atualizada em 24/08/2017 às 12h01

Quando o assunto é segurança pública, a expressão da vez é “Polícia de ciclo completo ou ciclo completo de polícia” que consiste na atribuição à mesma corporação policial das atividades repressivas de polícia judiciária ou investigação criminal e da prevenção aos delitos e manutenção da ordem pública, realizadas pela presença ostensiva uniformizada dos policiais nas ruas.

Essa ideia de unificação das polícias sempre aparece como a milagrosa solução para o problema, ou seja, uma solução simplista para um problema complexo.

Segundo o artigo “Mecanismo de aperfeiçoamento ao modelo policial brasileiro”, de Major QOPM de Brasília (DF), Aurélio Galdino , é sabido que a divisão das atribuições policiais encontra dificuldades de ordem técnica, que apesar da clareza do texto constitucional, encontra na ausência de uma lei federal regulamentadora prevista no parágrafo 7º, do artigo 144, da Constituição Federal de 1988, uma justificativa para algumas mazelas policiais.

É possível afirmar que as funções das polícias civis e militares, apesar de distintas constitucionalmente, encontram semelhanças de ordem prática, pois buscam a mesma finalidade geral de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (CF Art. 144, caput), o que leva aos rotineiros conflitos de atribuições, que acalorados de vaidades e melindres institucionais, contribuem indiretamente para os crescentes índices de violência e de criminalidade.

Perante tal problemática, surge como possível solução de melhoria da atividade policial a adoção do ciclo completo de polícia, tanto para as polícias militares, como para as polícias civis, a fim de permitir que tais forças policiais realizem as mesmas funções, com os mesmos objetivos e finalidades, de forma a atuarem conjuntamente no combate à criminalidade.

Cabe destacar nesta ótica, que as alterações necessárias à implementação do ciclo completo não levariam a unificação das polícias civis e militares, ou seja, não se trata da adoção de uma única polícia, mas da implementação de uma única atividade policial, com garantias e prerrogativas institucionais preservadas, agregando-se simplesmente as atribuições policiais constantes da Carta Maior.

Segundo o texto “Laranjas cortadas não param em pé” do jornalista e sociólogo, Marcos Rolim, “a bipartição do ciclo impede que os policiais encarregados da investigação tenham acesso às informações coletadas pelos patrulheiros. Sem profissionais no policiamento ostensivo, as Polícias Civis não podem contar com um competente sistema de coleta de informações.

Não por outra razão, recorrem aos “informantes” – quase sempre pessoas que mantém ligações com o mundo do crime, condição que empresta à investigação limitações estruturais e, com freqüência, dilemas éticos de difícil solução.

Para o Deputado Federal Subtenente Gonzaga (PDT/MG), o modelo atual anacrônico, ultrapassado, caro, ineficaz, é sim fator que contribui para o alto índice de impunidade, pela falta de autoridade do policial, especialmente o policial militar que ao se deparar com os elementos constitutivos do delito, ainda que de menor potencial ofensivo, por razões do modelo vigente no Brasil em que uma polícia trabalha para a outra polícia, não pode sequer lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), gerando com isto elevados gastos, perda de tempo para registro de uma ocorrência, e contribuindo para a sensação de insegurança da sociedade.

Tendência mundial

A adoção do ciclo completo de polícia é uma tendência mundial, que atendidas às peculiaridades do Brasil, apresenta-se como solução viável ao problemático modelo policial. Ainda segundo Gonzaga, é a modalidade adotada em quase todos os países, constituindo, entretanto, exceções do Brasil, Cabo Verde e Guiné-Bissau.

Na América do Sul, países como Chile, Colômbia, Uruguai dentre outros já dotaram suas polícias em Polícia de Ciclo Completo, e sua eficácia é comprovadamente constatada através dos altos números de resolutividade dos delitos, da prevenção, ou seja, todos os países em que as polícias (muito países possuem mais de uma polícia, civil e militar) são de Ciclo Completo apresentam taxas de homicídios menores que o Brasil.

O índice de elucidação de crimes no Brasil é abaixo de 8%. “Hoje muitos dos crimes em que a Polícia Militar iniciou os trabalhos, não são levados ao Judiciário, isto porque caso assim agisse, seria – como já ocorreu em alguns municípios – considerado como usurpação de função”. Como não há previsão constitucional para tal medida, as provas, os elementos, os dados e as informações se perdem no tempo, e ao final, mais impunidade.

O lado negativo

Para o delegado de Pernambuco, Flávio Tau de Souza Campos, em seu artigo sobre o tema, vindo o ciclo completo, não haveria mais delegado de polícia. O policial investigaria, prenderia, decidiria se as provas foram lícitas, decidiria se ele próprio mentiu ou não, decidiria ele próprio se ele coagiu testemunhas e mandaria o sujeito que ele mesmo prendeu para a prisão. Agindo dessa forma, de fato, seria muito mais fácil prender pessoas.

O ciclo completo não é tema para ser monopólio das carreiras policiais. As diretrizes nessa discussão devem ser a integração, a cooperação e a eficiência sistêmica em favor da sociedade brasileira.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, na quinta-feira (10), a realização de audiências públicas em dez capitais do país para debater a PEC 430/2009, que altera a Constituição Federal para dispor sobre a polícia e corpos de bombeiros estaduais em função da chamada polícia de ciclo completo.
A Anaspra- Associação Nacional de Praças defende a instituição de ciclo completo nas polícias, mas com acesso único nas instituições e desvinculação do Exército.

Paula Costa - ANASPRA

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