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Natal, Rio Grande do Norte, 29 de Março de 2024

A privatização do sistema prisional e suas consequências

Paulo César Ferreira   17/06/2015 às 16h03   -  Atualizada em 21/08/2017 às 21h19

 Recentemente foi veiculado na imprensa local, que o Governador Robinson Faria pretende implantar uma co-gestão privada nas penitenciárias do Rio Grande do Norte. Muito embora o próprio Governador tenha afirmado que não existe nada em concreto, é mister ressaltarmos que seria um retrocesso para o nosso sistema prisional.

No decorrer desse breve texto expositivo, elencarei as razões que me fazem temer a efetiva implantação da parceria público-privada nas penitenciárias do Rio Grande do Norte, não só como advogado criminalista, que acompanha a realidade do sistema prisional diariamente, mas também como cidadão que prima pela observância da administração pública à Constituição Federal vigente.

A parceria público-privada – PPP – é um contrato de concessão de obras ou prestação de serviços, entabulado entre a administração pública e o parceiro privado investidor. Tal modalidade de contratação, regulamentada pela Lei nº 11.079/04, não é uma simples concessão, porquanto a empresa privada parceira é remunerada exclusivamente pelo Estado, e não através de tarifas cobradas aos usuários, o que gera maior onerosidade aos cofres públicos.

Diante das frequentes rebeliões e fugas que vêm ocorrendo a nível nacional, bem como da superlotação e falta de estrutura mínima para o atendimento dos direitos e garantias dos apenados, o sentimento de insegurança e de ineficiência do sistema prisional foi difundido em grande escala pela mídia e através das redes sociais. Por conseguinte, o poder público de várias unidades federativas passou a buscar alternativas para sanar a crise, adotando o sistema de PPP.

Ao implantar a parceria em comento, o Estado pretende, em tese, melhorar a política de segurança pública, otimizar a execução penal e melhor aplicar as normas estabelecidas pela Lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal – e pela CF/88.

Contudo, na prática, a parceria público-privada não vem alcançando a finalidade pretendida, conforme é possível vislumbrar em vários estados brasileiros que implantaram a referida privatização.

A unidade federativa de Pernambuco realizou uma parceria público-privada para a construção e gestão do conjunto penitenciário, porém a obra não foi concluída, gerando prejuízo ao erário, e inviabilidade de tal parceria, por motivos de falência da empresa participante.

O modelo de terceirização das penitenciárias, no estado do Sergipe, gerou uma série de rebeliões, motins, destruição de unidades prisionais, necessidade de frequente intervenção das forças de segurança do Estado, e a contratação de agentes penitenciários temporários sem o mínimo treinamento e formação para exercer as atividades e responsabilidades inerentes ao cargo, medida extremamente prejudicial ao bom funcionamento dos estabelecimentos prisionais.

No estado de Minas Gerais, o quadro de implantação da PPP não foi diferente, bastando compulsarmos o caso do Presídio Público Privado de Ribeirão das Neves, em que restou determinada judicialmente a proibição de novos contratos – com pessoas físicas ou jurídicas – para atuar na administração das unidades prisionais, bem como determinou-se a realização de concurso público para o provimento dos cargos de agentes penitenciários, substituindo-se, assim, os empregados contratados mediante terceirização ilícita.

No ano de 1999, o Paraná implementou o sistema de privatização nos presídios, aumentando em 80% os gastos com as penitenciárias, e minando o objetivo maior da aplicação das penas privativas de liberdade: a ressocialização dos apenados.

Há que se elencar que, nos casos supra mencionados, o que aconteceu in concreto foi à delegação das prerrogativas estatais inerentes à execução penal às empresas privadas parceiras, resultando em flagrante inconstitucionalidade, uma vez que o jus puniendi do Estado, inclusive o poder de polícia, são indelegáveis, conforme estabelecido no texto constitucional.

Além da nítida violação à Lei de Execução Penal– LEP – e à CF/88, no sistema de PPP nas penitenciárias nacionais, estima-se que cada preso custa, em média, R$ 4.000,00 (quatro mil reais), quantia esta que será repassada dos cofres públicos às empresas parceiras. Se, com a despesa atual mensal de cada preso, a qual é aproximadamente R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) por unidade federativa, o sistema prisional se encontra caótico, o quão dispendioso será para o nosso estado aumentar de forma tão considerável os gastos com os apenados?!

Para o sistema prisional privado, o preso é um mero produto a gerar rendimentos, sendo, por conseguinte, vantajosa a sua permanência por mais tempo em regime fechado, o que compromete a progressão de regime, direito subjetivo do preso , posto que o comportamento do apenado não será avaliado por servidor público isento e imparcial. Assim, mister se faz evidenciar que a superlotação continuará a existir.

Denota-se que na verdade o Estado precisa investir na política salarial dos atuais Agentes, nas condições de trabalho, e nos equipamentos, para o exercício de função extremamente relevante, além de convocar imediatamente os Agentes aprovados no último concurso público, para amenizar o déficit existente, e mesmo diante das péssimas condições de trabalho e de remuneração, os Agentes Penitenciários do Estado vêm exercendo a atividade a eles determinadas, e sempre pautados nos princípios da eficiência, probidade, legalidade e dignidade da pessoa humana.

Admitir a contratação de agentes penitenciários temporários, por empresa privada, preterindo a forma de provimento do cargo determinada no art. 37 da Constituição Federal, é permitir que o Estado vá além das limitações estabelecidas pelo poder constituinte originário, e, por conseguinte, consentir arbitrariedades para com a relevante função estatal da execução das penas privativas de liberdade.

Cabe ao Estado instituir um sistema carcerário digno, proporcionar condições de trabalho aos Agentes, gerando um bom funcionamento das unidades prisionais, primar pela aplicação da Lei de Execução Penal, valorizar os profissionais que lidam diariamente com o sistema prisional, e não transformar a função de execução das penas privativas de liberdade em uma mera fonte de lucro a beneficiar empresas interessadas.

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