Natal, Rio Grande do Norte, 28 de Março de 2024

A morte de uma alma

   20/10/2014 às 10h04   -  Atualizada em 10/08/2017 às 13h39

Sentindo dor na alma, fui passear por aí.
Era uma noite quente de verão.
Não sentia mais nada além da dor que não conseguia sarar.
Passei próximo ao Hospital do Coração, pensei em parar. Mas dizer o quê se não conseguia explicar tanta dor?
Eles olhariam novamente para mim sem nada responder. Também, onde curar uma alma ferida? Ali, certeza que não seria o lugar.
Continuei andando direto ao centro da cidade. Mas meu destino era a Praia do Meio.

Viaturas passam devagar com suas luzes intermitentes ligadas. Carros pareciam voar atravessando sinais vermelhos.
Pequenos ladrões corriam após seus roubos e furtos.
Mas meu andar não despertava a atenção dos integrantes da noite.

Ao passar por um beco, percebi um homem esfaqueando outro. Parei, e observei com curiosidade uma dor quase palpável saltitando dos olhos daquele infeliz.

Sai dali sem ser visto em direção ao meu destino. O cara que empunhava a faca corria cego em direção ao bairro Nova Descoberta, mais parecendo uma bala do que um homem correndo.

Fui passando esquina por esquina sem ser perturbado.

Minha conclusão ao passar na calçada do Hospital Clovis Sarinho era que, com certeza eu me tornara um fantasma.

Já estava próximo à Mãe Luiza, um bairro de Natal já próximo ao meu destino. Pensei em desviar o caminho na tentativa de ser mais fácil acabar com o sofrimento de minha alma. Mas estava tudo muito calmo. Nem sinais de animais havia. Seria um caminho sem o resultado esperado.

Resolvi passar e subir para chegar à Praia do Meio por outro caminho. O que eu queria era um algoz. Alguém que pusesse fim àquele sofrimento que me sufocava desde sempre. Mas parece que até a morte me rejeitava. Ninguém me via. Em uma noite perambulando pela cidade, vendo-a viver e morrer, fica claro que nada eu valia ali.

Chegando à Praia, andei em direção ao mar. Passando por duas viaturas paradas no calçadão, o único empecilho que me separava da água salgada e da areia. Dei “boa noite”. Nada. Recebi de volta apenas alguns murmúrios. Estava totalmente desalinhado, mas nem isso chamara a atenção.

Desci por um lugar meio acidentado. Minha primeira reação foi retirar meus sapatos e pôr meus pés nus na areia.

Fechei meus olhos e respirei um ar úmido e com cheiro apodrecido. Caminhei em direção à parte escura e onde sabia que havia bastantes rochas. Andando em direção até o lugar escolhido, nada passava na minha mente. Eu era somente um corpo com a alma já anestesiada por tanta dor.

Sentei-me e respirando fundo, tentei novamente entender uma alma tão dolorosa e triste. Era tanta dor. Aparentemente não havia razão para tais sentimentos. Como um homem tão bem sucedido não poderia se curar? Para uma doença na alma não havia remédios, pois a solução seria um pecado.
Fechei meus olhos por minutos para ter certeza se a minha busca pela morte haveria uma solução. Era hora, a maré estava subindo e batendo com violência em cima de um recife. Seria ali o lugar.

Chegando perto daquela tormenta, não me importando nem um pouco com os cortes em meus pés, escutei um murmúrio. Era um homem bêbado sentado do outro lado das rochas, onde o mar ainda batia suavemente. Ali, em pé no meio do recife, me vi entre meu objetivo e uma coisa forte que me corroia e a causa de me fazer sentir tanta dor... tanta depressão. Ali, haviam duas almas.

Voltei. Ele me olhou e com uma inocência alcoólica me disse: - Moço, tais doido?? Queria morrer ali em cima? O mar não perdoa!!! e começou a rir, parando para beber um gole do líquido. Sei que para ele aquilo era um remédio. Mas para mim, o remédio seria aquela alma. Sabia que estava tudo escuro. Não havia lua, não se via as estrelas... o mar chegou até nossos pés. O cheiro de maresia e algo podre se misturavam sendo expelido com força no ar.

Fechei meus olhos e respirei a mistura dos odores. A solução começava a gritar dentro de mim. Em um minuto, que mais parecia uma eternidade, minha vida passou como um filme acelerado na minha memória.

Sempre soube que a dor e a depressão foram causadas por uma imposição social. Algo que me podara e me consumia, e eu, sufocado por aquela mão, me enclausurei em uma atitude de covardia.

Ri e abri meus olhos, a morte mais uma vez me rejeitava. Ao contrário, era mais um convite para uma liberdade sem limites.

Aproximando-me daquela alma, acariciei a cabeça dele. Ele riu afetuosamente e permanecia sentado. Em um ímpeto, mas de forma controlada, segurei-o firme pelos cabelos e bati com força na rocha o seu crânio. Houve um gemido abafado pelo grito do mar.

Bati pela segunda vez sua cabeça na rocha.
Agora se misturava o cheiro do sangue com o cheiro do mar apodrecido. Em espasmos deixei aquele corpo ser caído e ser lavado pelas ondas que agora ficavam bem fortes aos meus pés, mas parecendo um aplauso do que uma repreensão.

Fechei novamente meus olhos, dessa vez sentindo a mar já a altura de minha cintura. A onda vinha e ia, e com ela levava minha dor e trazia a Paz para a minha alma.

Em um alivio que jamais havia sentido. Uma liberdade e euforia tomava conta de todo meu corpo. Gritei com todas as forças. Já não havia mais dor e nem medo. Olhei para o corpo já sendo levado pelas ondas. Nadei até a praia.
Em pé de costas para o mar, contemplei ao redor. Silêncio. O corpo já batia nas rochas bem distantes. Em algum momento ele apareceria.
Havia chegado ali para a morte de uma alma, e houve a liberdade de uma... a minha!!

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